Adoecimento da paisagem Yanomami: A mineração como agente etiológico

 Adoecimento da paisagem Yanomami: A mineração como agente etiológico


Infográfico da área de estudo em 2021. Elaborado pelo autor, 2023.

A Terra Indígena Yanomami, lar de um dos maiores grupos indígenas do Brasil, tem enfrentado uma séria ameaça à sua saúde e bem-estar: a mineração desenfreada. Segundo dados do “Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena” e da “Secretaria Especial de Saúde Indígena”, em 2022 a população Yanomami era composta por 31.017 habitantes. Essa população tem sido impactada diretamente pela expansão da mineração em seu território, como revelado por dados sobre a cobertura da Terra Indígena Yanomami por mineração obtidos pelo "Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas)" para o período de 2017 a 2021.

Ao analisar esses dados, observa-se um aumento alarmante na área de mineração na Terra Indígena Yanomami ao longo dos anos. Em 2017, eram registrados 104 hectares de área minerada, número que saltou para 362 hectares em 2018, 683 hectares em 2019, 921 hectares em 2020 e assustadores 1.557 hectares em 2021. Esse aumento representa um crescimento de 1.494% em apenas quatro anos, evidenciando a expansão descontrolada da mineração nessa região. Além disso, o número de fragmentos de atividade de mineração também cresceu exponencialmente, passando de 17 em 2017 para 231 em 2021, um aumento de 1.359% nesse período.


Área em hectares, de ‘mineração’ mapeada na Terra Indígena Yanomami de 2017 a 2021. Fonte: MapBiomas, 2022. Calculado e elaborado pelo autor.



Número de fragmentos, de ‘mineração’ mapeados na Terra Indígena Yanomami de 2017 a 2021. Fonte: MapBiomas, 2022. Calculado e elaborado pelo autor.

Um aspecto preocupante é a diminuição da distância média entre esses fragmentos de mineração ao longo do tempo. Em 2017, a distância média era de 7,7 km, mas esse valor diminuiu para 2,6 km em 2018, 1 km em 2019, 861 metros em 2020 e apenas 848 metros em 2021. Essa redução na distância entre os fragmentos indica uma maior conectividade entre as áreas de mineração, o que facilita a comunicação entre os responsáveis por essas atividades ilegais e contribui para o avanço e a manutenção da mineração em territórios indígenas.

                 
              Distância média em metros, entre as lavras de ‘mineração’ de 2017 a 2021. Fonte: MapBiomas, 2022. Calculado e elaborado pelo autor.

Esses dados alarmantes se tornam ainda mais preocupantes quando analisamos sua relação com a mortalidade do povo Yanomami. Em 2018, foram registradas 236 mortes, o que representa uma taxa de mortalidade de 7,6 para cada 1.000 habitantes. Em 2019, esse número aumentou para 259 mortes, com uma taxa de 8,4 mortes para cada 1.000 habitantes. Já em 2020, foram registradas 332 mortes, resultando em uma taxa de mortalidade de 10,7. Esses números representam um aumento de 41% no número de mortes indígenas nesse período.

Embora os dados para os anos de 2021 e 2022 ainda não sejam definitivos, estima-se que o número de mortes Yanomami se mantenha alto, com aproximadamente 375 mortes em 2021 e 420 mortes em 2022, considerando a tendência linear observada de 2018 a 2020. É importante ressaltar que esses números são estimativas e que a realidade pode ser ainda mais preocupante, uma vez que a crise humanitária enfrentada pelos Yanomami resulta em uma subnotificação dos casos de adoecimento devido à violência praticada por garimpeiros, que saqueiam a infraestrutura de saúde dos indígenas.

A floresta, para os indígenas, é um organismo vivo que precisa de saúde. Isso inclui a saúde dos rios e igarapés que fornecem água potável, livre de mercúrio e sedimentos resultantes da mineração, além da preservação da fauna aquática, essencial para a alimentação e subsistência dos Yanomami. A saúde desses cursos d'água também é medida pela capacidade do povo indígena e dos profissionais de saúde de transitarem livremente e com segurança por meio de suas canoas e barcos.

O aumento expressivo da área de mineração na Terra Indígena Yanomami, especialmente em sua porção norte, juntamente com o crescimento do número de fragmentos de lavras e sua maior conectividade nos últimos anos, são fatores que contribuem para o avanço da morbidade (subnotificada) e da mortalidade do povo Yanomami.

É essencial que haja atenção para o aumento da cobertura de mineração em terras indígenas, emitindo alertas e implementando políticas públicas adequadas. Além disso, a métrica da "conectividade entre as lavras" pode ser uma ferramenta importante para mensurar a complexidade do problema, uma vez que quanto mais próximas as áreas de mineração, mais eficientemente as ações criminosas são organizadas e comunicadas, o que propicia o avanço e a manutenção da mineração em territórios indígenas.

A preservação da saúde da paisagem Yanomami é crucial para garantir a sobrevivência desse povo indígena e para proteger a biodiversidade única da região. Somente com um olhar atento e ações efetivas será possível enfrentar esse desafio e promover a sustentabilidade e a justiça social na Terra Indígena Yanomami.

Autor: Murilo Ribeiro Spala

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